quarta-feira, abril 11, 2018

Perdoar é preciso III?

Oi gente, nesta quarta sigo falando sobre o perdão.


No último texto falei sobre a minha visão da necessidade de compreender a natureza humana, com suas luzes e trevas, se quisermos trilhar por este caminhoSe perdoar é preciso, conclui que é urgente compreender de que material somos feitos. 
Entretanto, neste texto irei falar sobre o processo do perdão.
Sei que você já percebeu que o perdão não é uma estrada reta. Ele guarda curvas sinuosas, pedras que ferem os pés, sol de julgamentos que nos queimam sem dó, tempestades que desorganizam e obstruem o caminho. Perdoar traz a tona o grande desafio que guarda as relações humanas, e nos põe à prova mais do que gostaríamos de supor...

Lembro do homem que invadiu minha casa em São Paulo, a qual tive que entrar na justiça para reaver. No dia da reintegração de posse, ele se apresentou a mim como alguém que havia cuidado e não invadido a casa. Seu cinismo me provocou uma indignação profunda. E vendo minha raiva expressa nas palavras de que eu não tinha nenhum prazer em conhecê-lo, gritou que o portão da casa, o qual eu havia comprado à vista, era dele e que o meu marido, já falecido, o devia. Fiquei impressionada com sua capacidade de mentir e a maneira como ele se fazia de vítima, depois de ter invadido minha casa por meses e roubado todos os acessórios dela, inclusive interruptores, janelas, portas, box do banheiro, gabinete e pia. 
Esta  experiência inaugurou um novo momento em minha alma, em que descobri que perdoar pode ser dificultado pela falta de lógica que enxergamos na atitude de uma pessoa, especialmente quando estamos vivendo um momento de dor, (e aquele era de luto para mim). 
Também, com o passar da vida, vi que o dia feliz pode trazer dificuldade para perdoar... Lembra quando o pai, a mãe, os avós, cuidadores, os irmãos, os amigos, o marido, os filhos, não fizeram questão de estar presente naquele dia significativo, onde fizemos uma apresentação na escola, uma homenagem ou quando pegamos o tão sonhado diploma? A solidão sentida pelas ausências podem provocar uma dor que torna o ato de perdoar uma estrada ainda mais confusa .
E o que falar da traição de um amigo e de um amor? É mesmo angustiante descobri que o lugar que guardamos com tanto respeito e atenção leal, foi violado. Dói uma dor sem nome o desprezo camuflado com atitudes que um dia acreditou-se sinceras. Certamente é  ferida diabética, difícil de cicatrizar.  

Mas, se perdoar é preciso, necessário é compreender que perdoar é viajar. 
E toda viagem necessita da decisão do destino onde se quer chegar, como o perdão só ocorre, quando decidimos perdoar. 
Sabe-se que uma viagem por mais pequena que se seja, cumpre uma série de etapas, logo, viajar é um processo tanto quanto perdoar. E, dos viajantes já se ouviu que tem viagens que são longas... 

Sabe aquele dia em que não dormimos a noite inteira e cedo precisamos levantar da cama para trabalhar, mas nossa vontade é desligar o alarme, quebrar o despertador, e dormir como se não tivéssemos nada para fazer, como se fosse um domingo ou um dia de feriado, acredito, que a escolha pelo destino de perdoar é mais difícil . Contudo, ao precisar do salário no final do mês, a sobrevivência martela, e somos por ela forçados a levantar. 
Mas, ainda que preciso seja estar bem emocionalmente, tanto quanto de suprir as necessidades mais básicas, trazemos um mecanismo para esconder o barulho do martelo das emoções que sinalizam as dores da alma. Talvez por isso, costumamos adiar esta decisão, mesmo que estejamos moídos pela noite que se abateu com densas trevas em nossa alma, não nos deixando dormir. E seguimos dando folga e feriado a alma magoada, como se nada tivéssemos a fazer. Como se não fôssemos os responsáveis pela nossa sobrevivência emocional, desprezando os alarmes por ela dado. E a alma cansada da nossa procrastinação, começa gritar para sobreviver...
E, este grito se traduz no corpo, que passa a sentir dores ao nível da pele... Pequenas manchas que doem ao toque, feridas... Outras dores mais profundas... Ao nível dos músculos, ossos, articulações, tendões, ligamentos, nervos... Orgãos inteiros... E a saúde comprometida fica com a alma desesperada para ser ouvida, deixando a vida correr o risco de entrar e ficar na UTI.
Pode-se adiar esta viagem, como se ela não tivesse que ser feita, mas as pesquisas mostram que não seremos poupados das consequências. A falta da caminhada em direção a este destino, nos trará relações quebradas, cadeiras em nossas casas ocupadas pela desconfiança e solidão. O corpo sofrerá pelo peso da paz em falta e pela ausência da leveza no coração que só o perdão pode dar.

O primeiro passo para o destino do perdão é o mais difícil. E a realidade de que ele não é suficiente para nos levar onde queremos chegar pode desanimar muito, entretanto, qualquer viagem exige outros passos... O segundo, o terceiro, o quarto, o quinto, o sexto... Dezenas e milhares de passos até chegar lá.
Logo, perdoar é uma decisão que exige a compreensão de que a dor faz parte do caminho, e as feridas feitas precisam de tempo para serem curadas. Não existe mágica, mas, o milagre de discernir que vale a pena buscar a paz em toda e qualquer relação, no que depender das nossas escolhas. 
E o primeiro passo pode parecer difícil, confuso, sem visão do que vem pela frente... Porém, quando ele é dado com verdade de alma, nasce uma certeza, uma paz, uma força que capacita para os outros passos. E a cada passo, está experiência se renova. É que a Vida não nos deixa sem os recursos quando queremos viver de fato, e ainda que a viagem seja cansativa, chegaremos ao nosso destino. 
O que nos manterá na viagem, não é a vontade condicionada aos sentimentos que a dor produziu, mas aquela vontade que deseja viver com paz, ainda que o custo seja caro. 
Depois que se alcançou a compreensão de que o perdão é um preço que vale a pena pagar, seja ofensor ou ofendido, vive-se uma das viagens mais confortantes e restauradoras da vida. 
Por isso, se perdoar é preciso, pemita-se.

É certo que a viagem do perdão tem etapas que não depende da gente... Este assunto porém, iremos falar na próxima semana.