segunda-feira, novembro 16, 2020

Série vendo Jesus em Marcos – A compaixão que rouba agendas

 



Ele era apenas mais um leproso. Como ele, existia muitos vivendo as margens das cidades, proibidos do contato com outras pessoas.  Abandonados sem nenhum direito à cuidados, viviam isolados do conforto do toque, do cafuné, dos abraços apertados e da doçura do beijo.

A religião propagava que a benção de Deus não estava com quem tem lepra. Eles eram pecadores sem perdão. Humanos de segunda categoria. Gente como os pedófilos nas cadeias, que só sobrevivem isolados.

 Vistos como seres amaldiçoados por Deus, eram temidos como a pior peste. Ter lepra era mais isolador do que ter covid-19.

Mas, o leproso de Marcos 1:40 ao ouvir falar de Jesus, tem acesa em seu coração a fé e a esperança de dias melhores. Tal sentimento quando surge dá força. Levando o leproso a ficar à espreita, à margem da estrada na expectativa de ver Jesus. Ao avistá-lo, eu o imagino lutando por alguns instantes com os monstros do isolamento e da rejeição cravados em sua alma, porém, a fé que nasceu o movimenta.

Jesus o vê se achegando. Ele não se move do lugar. O leproso chega tão perto que ao estender a mão, Jesus o toca. Os discípulos que estão ao seu lado levam a mão na cabeça, “como o leproso ousa a se aproximar e como Jesus se atreve a tocá-lo?” A lei não permite tocar leprosos. O silêncio do assombro os toma.

Mas, Jesus está comovido pela compaixão. Algo no jeito deste leproso mexe com seu coração. Ele diz a este leproso, ‘Eu quero curá-lo’, e o cura.

Agora, vendo Jesus em Marcos eu fico desconfortável... A compaixão de Jesus é diferente... Não é um discurso distante do doente, não é apenas o desejo de ajudar, não é a fala bonita daquele que diz, “se um dia eu ganhar na mega sena, vou construir um orfanato ou asilo”. A compaixão de Jesus é ação - mão estendida.  

 A compaixão de Jesus também não o permite deixar a necessidade do leproso para o outro dia. Não diz: “quando eu puder” ou “quando eu me aposentar”, ou, “quando eu me formar” ou...

A compaixão de Jesus explode as muralhas culturais e religiosas construídas ao longo de milhares de anos, permitindo ao leproso a entrada na cidade, no templo, em casa.

A compaixão de Jesus não busca os holofotes da fama. Ele entende bem o perigo da publicidade. Sabe que a mesma propaganda que o torna conhecido, pode se tornar impedimento para cumprir sua agenda. Diante disso, avisa o leproso para não o anunciar. O leproso curado não consegue obedecê-lo. Sai a dizer, “Jesus me curou”.

Como Jesus previu, sua desobediência prejudica sua agenda.  Mesmo sabendo disso, Jesus não deixa de curá-lo. Não fica a reclamar por não entrar nas cidades.

E a compaixão que o fez perder sua agenda, dá a Ele uma nova. E mesmo em lugares desabitados, Jesus, atraiu para si pessoas de todas as partes. Elas vão ao seu encontro desejando serem tocadas por aquelas mãos que não temeu tocar um leproso.

O mundo segue cheio de leprosos. Mas, carece da compaixão de Jesus que vê mais o doente do que a doença, que toca quem está na solidão a margem da estrada e se dispõe a perder agenda para abençoar.

Vendo Jesus em Marcos, eu me vejo com muito pouca compaixão-ação. Sinto vergonha deste Jesus de mão estendida. Então, clamo, “Jesus me dá desta sua compaixão”. 

E você?

Roseli de Araújo

Escritora e Psicóloga clínica.