quarta-feira, maio 02, 2018

O perdão e seus mito(VI)

Oi gente, sigo falando sobre o perdão.


Quem já ouviu uma pessoa dizer que não conseguiu perdoar porque não conseguiu esquecer? É comum tal expressão, entretanto, o esquecimento é sintoma de doenças graves, e somente perdoamos o que podemos lembrar, logo, perdoar não é esquecer.
Agora uma coisa é certa, trazemos lembranças que não são lembradas. Sei que contraria a lógica tal afirmação, a qual, chamamos de paradoxo, no entanto, os paradoxos são mais comuns do que gostamos de imaginar nos humanos. E, Freud trouxe muita compreensão desta realidade, ao descobri o inconsciente, lugar que abriga as memórias trazidas e esquecidas (na linguagem psicanalítica, reprimida).
Recentemente, os estudiosos do cérebro mapearam a memória e descobriram que ela se localiza no lobo temporal, estrutura responsável pelo seu gerenciamento. Dentro dele existe o hipocampo, órgão que guarda as memórias a longo tempo e que faz parte do sistema límbico, região que regula as emoções. Muito há para desvendar, contudo, a ciência avança.
 É interessante que a memória e a emoção estejam casadas no cérebro humano, mantendo o registro dos fatos vividos com as cores das muitas possibilidades do sentir, seja susto, medo, vergonha, desamparo, e de tantos outros matizes.
É sabido que experiências vividas na infância que produziram traumas e dores não compreendidas pelo universo infantil, são muitas vezes escondidas do consciente, podendo a pessoa

 ficar sem lembrar do fato ocorrido por anos. E ainda existe a possibilidade de ter pessoas que nunca as acessarão.
E, ainda que pareça confortável não trazer na memória consciente a dor, as lembranças traumáticas podem produzir males psicológicos, como a ansiedade exagerada e a depressão.
Estas lembranças não lembradas, reclamam seu lugar, e se apresentam não só em forma de problemas psicológicos graves. Tais lembranças, por vezes, nos visitam com aquela tristeza sem motivo aparente, que se mostra numa tarde quente de verão, na praia. Outras vezes, se manifestam deixando o peito oco, a sentir um vazio na existência. Pode também comparecer numa irritabilidade que não se justifica. E seja como for que ela queira se mostrar, irá desgastar as relações vividas.
Estas lembranças surgem nas sessões de psicoterapia, mas elas também podem se apresentar quando ouvimos uma história, quando assistimos um filme, quando passamos por coisas semelhantes na vida adulta. Às vezes somos tomados por uma clareza súbita, e vemos o não visto.
Perdoar o que ficou guardado por tanto tempo é necessário, se um dia fomos feridos por pessoas que deveriam ter nos amado.
Se a mãe não se fez presente, se o pai abandonou, se a violência sexual o visitou, seja por meio de estranhos ou conhecidos, seja o que for que tenha nos machucado, é consenso que a estrada até o perdão pode ser obscura. Contudo, ele é capaz de nos tornar mais livres para vivermos com mais alegria.
Sei que esta caminhada exige por vezes uma força que pensamos não ter, mas, quem carregou uma dor por tanto tempo, tem muito mais força do que poderia imaginar. Talvez a coragem seja a virtude mais exigida. Encarar a criança ferida que um dia não deu conta da dor, acolhê-la, deixar a emoção correr pelos olhos, o corpo se balançar diante do vivido que não pode ser mudado, e em um gesto de fé, dizer, “eu perdoo”, só é para quem decidiu vencer o medo de não viver de verdade.
Há no confessar de uma intenção verdadeira, um poder que é liberado. E ao encontrar lugar de perdoar, e também de ser perdoado, seja pelos outros ou por você, a alma é tratada.
Perdoar não é esquecer, e tão pouco só lembrar, é também ouvir o grito desta criança que está dentro de nós. Ainda que isto signifique mergulhar no oceano profundo das nossas memórias, e deixá-la saber que agora tem um adulto que pode acalentá-la.

Roseli de Araújo

 Psicóloga clínica
 Contato 
62 982385297








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