Ele tinha em
suas mãos o poder de entregar seu filho ao apedrejamento, mas ao invés disso,
deu a ele a parte da herança, que, naquele momento, não era dele. Deixando-o
ir, tendo todo poder de segurá-lo, ainda financiou sua louca desobediência,
certo de que o filho desperdiçaria tudo que levaria. Afinal, quem não aprendeu
a agradecer o que recebeu, dificilmente saberá administrar para o seu próprio
bem.
Certamente, o
coração do pai ficou estraçalhado.
Enquanto
deixava ir, lutou com os pensamentos de que aquele filho era jovem demais, e
gostaria tanto de livrá-lo do futuro trágico que estava à frente. Seriam tantos
perigos... Contudo, contemplou para além do que o filho lhe impunha. Sabendo
que a única chance que tinha de recuperá-lo era deixá-lo partir. Ele já estava
perdido em si e o seu sonho de liberdade já o esmagava nas cercas de sua
família, provocando nele o desejo de outros ares, asfixiando nele, o lar que o
acolhia. O pai sabia que, se ficasse a amargura, o destruiria.
Sem a mínima
vontade de consentir sua partida, o pai disse sim.
O filho
acreditava que precisava provar das suas escolhas. E partindo sem nenhuma
certeza do que o caminho lhe reservaria, saiu pulando de alegria. O pai ficou
encostado no batente da porta em busca de apoio, enquanto a escolha do filho
lhe atravessava a alma.
Por vezes,
sinto que saio saltitando em busca do que eu quero, enquanto Deus me sinaliza
para não ir. E são muitos os momentos em que prefiro aprender com meus erros do
que ouvir aquele que me ama, indo muitas vezes em busca da vida que já tenho em
sua casa.
Mas, graças a
Deus, o meu pai é o pai de Lucas 15. Ele me deixa ir e escolher, provar do que
não é manjar, fazer o que me trará uma dor que eu não precisava ter. Vendo-me
como nem eu mesmo me suponho. Financiando com paciência o que não quer para
mim, sabe da dureza do meu coração de pedra, do quanto acredito que os meus
olhares sobre a vida são os melhores. E é com frequência diária que mesmo
discordando de mim, mantém-me por sua maravilhosa graça.
E ao me
permitir voltar do que me levou para longe, o pai de Lucas 15 faz meu coração
de pedra se esfarinhar. Mesmo quando fico por alguns momentos desgostosa comigo
mesma, por perceber a loucura do que faço ao desobedecer, descubro que a rua da
sua imensa graça já estava construída para que eu pudesse voltar para casa.
Que maravilha! Em sua graça, ele nunca me deixa perdida.
Roseli de Araújo
Escritora e
Psicóloga clínica