domingo, maio 25, 2025

O Pai de Lucas 15

 




Ele tinha em suas mãos o poder de entregar seu filho ao apedrejamento, mas ao invés disso, deu a ele a parte da herança, que, naquele momento, não era dele. Deixando-o ir, tendo todo poder de segurá-lo, ainda financiou sua louca desobediência, certo de que o filho desperdiçaria tudo que levaria. Afinal, quem não aprendeu a agradecer o que recebeu, dificilmente saberá administrar para o seu próprio bem.

Certamente, o coração do pai ficou estraçalhado.

Enquanto deixava ir, lutou com os pensamentos de que aquele filho era jovem demais, e gostaria tanto de livrá-lo do futuro trágico que estava à frente. Seriam tantos perigos... Contudo, contemplou para além do que o filho lhe impunha. Sabendo que a única chance que tinha de recuperá-lo era deixá-lo partir. Ele já estava perdido em si e o seu sonho de liberdade já o esmagava nas cercas de sua família, provocando nele o desejo de outros ares, asfixiando nele, o lar que o acolhia. O pai sabia que, se ficasse a amargura, o destruiria.

Sem a mínima vontade de consentir sua partida, o pai disse sim.

O filho acreditava que precisava provar das suas escolhas. E partindo sem nenhuma certeza do que o caminho lhe reservaria, saiu pulando de alegria. O pai ficou encostado no batente da porta em busca de apoio, enquanto a escolha do filho lhe atravessava a alma.

Por vezes, sinto que saio saltitando em busca do que eu quero, enquanto Deus me sinaliza para não ir. E são muitos os momentos em que prefiro aprender com meus erros do que ouvir aquele que me ama, indo muitas vezes em busca da vida que já tenho em sua casa.

Mas, graças a Deus, o meu pai é o pai de Lucas 15. Ele me deixa ir e escolher, provar do que não é manjar, fazer o que me trará uma dor que eu não precisava ter. Vendo-me como nem eu mesmo me suponho. Financiando com paciência o que não quer para mim, sabe da dureza do meu coração de pedra, do quanto acredito que os meus olhares sobre a vida são os melhores. E é com frequência diária que mesmo discordando de mim, mantém-me por sua maravilhosa graça.

E ao me permitir voltar do que me levou para longe, o pai de Lucas 15 faz meu coração de pedra se esfarinhar. Mesmo quando fico por alguns momentos desgostosa comigo mesma, por perceber a loucura do que faço ao desobedecer, descubro que a rua da sua imensa graça já estava construída para que eu pudesse voltar para casa. Que maravilha! Em sua graça, ele nunca me deixa perdida.

Roseli de Araújo

Escritora e Psicóloga clínica

domingo, maio 18, 2025

O problema da falta

 

                                   

Eles discorriam sobre o não ter pão. Pareciam esquecidos dos milagres que foram feitos, ontem. E não entenderam nada quando Jesus falou do fermento dos fariseus. Que triste, eles estavam ocupados com a falta.

Será que eu sou assim?

Ele me salvou da morte eterna, do diabo, de mim mesma, e não compreendo ainda?

Ele é a minha rocha, em quem existo e me movo, e não compreendo ainda?

Ele é o caminho que me livra dos atalhos, e não compreendo ainda?

Ele é a verdade que me liberta de todo saber que não me leva a nada, e não compreendo ainda?

Ele é a vida que me livra da aridez da morte, e não compreendo ainda?

Ele é o pão que eu sei que se partiu pelos seus discípulos de todas as gerações, e não compreendo ainda?

Ele é água que me tira toda sede de outras buscas, e não compreendo ainda?

Ele é o descanso nos dias em que o cansaço me rouba as forças, e não compreendo ainda?

Ele é o meu amigo que se manifesta na mesa quando a incredulidade me causa angústia e não compreendo ainda?

Ele é aquele que atravessa as paredes dos meus medos, dando-me certeza da sua presença, e não compreendo ainda?

Ele é o bom pastor que não me deixa na solidão dos profundos vales, onde ninguém pode passar comigo, e não compreendo ainda?

Ele é o meu amigo sentado ao lado, quando Judas está na mesa, e não compreendo ainda?

Ele é aquele que vem ao meu encontro mesmo sabendo dos meus pecados, e não compreendo ainda?

Ele é quem se fez pecado por me amar, e não compreendo ainda?

Ele é àquele que sempre advoga as minhas causas impossíveis, e não compreendo ainda?

Ele vai voltar como prometeu em sua palavra, e colocará tudo em ordem, e não compreendo ainda?

Por vezes me pego pensando: por que me ocupo da falta do pão? Qual falta sentida que não foi preenchida por aquele que a tudo preenche?

A resposta que ecoa é que estou sem memória de todos os seus milagres feitos, ontem, por mim.  E, sem lembrança, fico a lamentar, mesmo tendo. 

Quão perversa é a incredulidade que carrego no peito.  Percebo que é fácil seguir chorando pelo leite que já tomei, sem considerar a provisão já recebida. Também, é fácil viver sem ver o que Jesus está me mostrando e sem ouvir o que está me dizendo.

Diante desta minha verdade, eu sei que preciso me apropriar de tudo que nele já recebi. E hoje, ao abrir sua palavra, escutei a sua voz mais uma vez a me perguntar: não compreendeu ainda?

Quem sabe nessa sua obstinação, meus olhos se abram e meus ouvidos ouçam. E, eu que estava ocupada pela falta, fique livre da incredulidade, que tem me roubado a aprender dele tudo que deseja ensinar a mim.

E você, qual é a sua falta? E o que tem escutado de Jesus?

Roseli de Araújo

Escritora e Psicóloga Clínica

(Texto baseado em Marcos 8:14-21)