quinta-feira, março 20, 2025

Na praia

 




Todos estão confusos. Sentem-se vazios... A vida sem a presença do mestre Jesus os deixava com a sensação de não saber ao certo o que fazer.

Dentre eles, Pedro tinha o coração ainda mais dolorido. É difícil enfrentar a realidade de ser menos, quando se pensou, ser mais. Pelo mestre, acreditou que conseguiria dar a própria vida. Mas, como todos os outros, o negou.

Naquela noite, sentindo um peso no peito frente ao futuro que nada o acenava. Ele disse, ‘vou pescar’. Os outros discípulos que estavam na praia juntaram-se a ele. Afinal, eram homens do mar, antes de andar com o mestre. E como também não sabiam como recomeçar, fazer o que se sabe podia ajudar a encontrar de volta o caminho.

Eles pescaram a noite toda. Nenhum peixe apanharam. Exaustos e com fome, retornam à praia ao amanhecer, ainda mais confusos... vazios...

Mas, o mestre Jesus estava na praia. Contudo, os sentimentos confusos, ansiedade quanto ao futuro, a fome presente, o cansaço de lutar e nada ter, roubaram deles ver o que tanto precisavam. Eles não o reconheceram.

Mas, Jesus estava na praia naquele amanhã, em que a esperança, parecia uma fumaça a se perder no tempo.

Não se esqueça.

Naquela manhã, Jesus estava na praia.

Psiu... vou repetir:

Naquela manhã, Jesus estava na praia.

Roseli de Araújo

Escritora e Psicóloga


(texto baseado em João 21 e publicado a primeira vez no dia 11/04/23)

quinta-feira, março 13, 2025

Carta a um pai (texto cedido por uma paciente)


                  Foto do site:  https://funerariasantacasa24h.com.br/como-superar-a-perda-de-um-pai/

Sinto saudade de você pai, ainda que esteja aqui. Saudade do riso de graça, dos passeios nos rios, das viagens esperadas com paradas para lanche, dos doces quando chegava do trabalho, da cantiga do serrador, das rodas com violão e sanfona.                

Por vezes, me vejo procurando-o. Para onde foi mesmo? Não o encontro mais. Então percebo que todas as minhas lembranças ficaram perdidas no meu mundo da infância.  E pergunto a mim mesma, o pai da infância onde esta?

Agora, confesso não gosto muito, hoje, do que faz. Não quer mais uma conversa de mão dupla, e tem como único assunto a si mesmo. Não traz mais os doces, antes cobra até o que já tem. Não mais reúne rodas de pessoas, agora vive isolado na sua caverna. Não senta a mesa nem mesmo em dias de festas, preferindo, na maioria das vezes, seus programas na televisão... E fico com a impressão que se perdeu do mundo dos afetos.

Hoje, também, já com cabelo brancos a tingir minha cabeça, muitas vezes, escuto minha criança a reclamar a saudade do pai.  E uma dor emerge ao sentir que o afeto se dissipou com o tempo.

Todavia, sei que nem tudo que sinto é uma verdade. Somos o que conseguimos ser. E reconheço que me deu muito além do que recebeu dos seus pais. E, tenho orgulho de ser sua única filha.

Então, calo minha criança, ao reconhecer que ainda é meu pai do jeito que sabe ser. E do seu jeito, ainda foi, é e sempre será, o pai que preciso.

(Texto de uma paciente)


quinta-feira, fevereiro 20, 2025

O passarinho e o meu guarda roupa

 



Era uma manhã bem tranquila. Eu estava lendo, quando de repente um barulho me assustou. Olhei e vi um passarinho no chão. Ele havia entrado voando e bateu na porta do guarda-roupa.

Aproximei com a intenção de ajudá-lo, e ao me ver tentou voar, mas estava desnorteado, e sem conseguir, desistiu de lutar.

Ao ver que nada tinha quebrado, o aconcheguei em minhas mãos, ele se aquietou. Eu fiquei ali encantada com aquele pequenino tão frágil em minhas mãos.

Sua visita tão desajeitada me fez pensar que, na vida, muitas vezes, em decisões que tomamos, batemos em muitas portas de guarda-roupas.

Pensando estar na direção e na velocidade certa, ficamos desnorteados quando nos defrontamos com barreiras que são intransponíveis.

É impressionante como decisões erradas têm o poder de nos paralisar, nos levando, muitas vezes, a nos impor uma jornada solitária e recheada de medos. Decepcionados em não perceber as barreiras antes, nossa tendência é pensar: Como não vi o guarda-roupa? Como não medi a distância certa? Por que fui tão rápido? E são tantos os porquês que nos atormentam...

Decisões erradas nos levam a ficar desconfiados da nossa capacidade. E como aquela criança que passou a ter medo da janela porque um dia pulou, por pensar ser um super-herói e quebrou a perna, assim somos nós, passamos a ter medo de errar e cremos que só vive bem quem nunca erra. Todavia, esta crença pode nos quebrar a alma.

Não sei onde aprendemos que devemos acertar em tudo. A verdade é que a vida nem sempre sinaliza as curvas, os abismos, as fronteiras, e é preciso caminhar para aprender o caminho.

Temos que aceitar que viver é decidir. E que depois de certas decisões podemos experimentar a sensação de que, de agora em diante, ‘o daqui para frente é só para trás’. Porém, este sentimento deveria servir para ficarmos quietos até entendermos onde foi que erramos, para então corrigirmos a rota à nossa frente. Todavia, muitas vezes ficamos como aquele passarinho, amuados e desconfiados de qualquer um que se aproxima com suas mãos estendidas.

Aquele passarinho, eu o levei ao pé de pitanga, que fica de frente à janela do meu quarto, e o coloquei em um galho. Ele ficou quietinho por alguns minutos, depois se sentiu seguro e, quando voltei lá, já tinha voado.

Confesso. Fiquei feliz em tê-lo ajudado a voltar ao seu propósito.

Eu creio que assim o Senhor faz conosco.

Quando ficamos desnorteados e sem conseguir lutar, Ele nos leva para pitangueira da nossa vida e nos coloca num galho seguro. Ele não fica levantado os porquês dos nossos erros. Ele deseja que a gente fique apenas um pouco de tempo quieto, para percebermos o que Ele fez e tem feito por nós. Tempo só para refletir e pedir perdão por um dia termos confiado que não iríamos errar. Tempo apenas para perceber que Ele estende as mãos para gente como eu e você. Tempo para ver que em Cristo somos perdoados. Tempo para podermos encontrar nEle a segurança perdida e voltarmos a voar na direção do seu propósito.

Creia, Ele se alegra quando você volta a voar.

Roseli de Araújo

Escritora e Psicóloga clínica

 

 

domingo, fevereiro 09, 2025

A vida sempre triunfa

 


Quando algo por dentro já não é o mesmo, tudo muda.

Desde que minha mãe partiu, sinto que não sou mais a mesma. Até o ambiente já não parece ter as mesmas cores. A casa dela, a qual, hoje, eu moro, já não a reconheço. E o que era tão familiar agora parece estrangeiro.

Um dia depois do seu enterro, ao acordar, uma sensação de estar perdida me invadiu por inteiro. Pensei, e agora? Fiquei deitada ali, buscando dentro de mim razões para poder levantar. 

Impressionada com a roda da morte que parecia ter atropelado muitos dos meus olhares para a vida, sai da cama. Naquela manhã, eu tinha agendada uma sessão de psicoterapia. E ao abrir o computador, sabia o que compartilhar com minha psicóloga. Ao terminar a sessão, entendi que minha mãe, embora tivesse partido, seguia dentro de mim. Então, agora, presente apenas em mim, a forma de me relacionar com ela mudou para sempre. E ao compreender o que mudou, vi que tinha chão para seguir.

De vez em quando, me pego conversando com minha mãe. Pergunto: Por que foi tão cedo? Às vezes, digo para ela: sua casa perdeu a alegria sem suas risadas. No início, sentia que não estava certa ao conversar com ela. Mas aprendi que converso com a mãe que ficou em mim.

A verdade é que tenho aprendido com as pessoas que já perdi que sempre vou amá-las. Embora o amor que nos uniu me tornou vulnerável e trouxe muita dor quando partiram, sei que a vida teria sido vazia sem o amor por elas.

Esse saber calou e cala a minha alma, mergulhando-me num silêncio que se tornou a minha mais confortável poltrona.

Sim, a morte é muito dura. Ela bagunça a nossa vida por inteiro. Contudo, mesmo atropelando nossos olhares pela vida, ela nunca será maior que a vida recheada de amores.

A Deus toda a gratidão pelas pessoas que amei, amo e amarei.

Roseli de Araújo

Escritora e Psicóloga clínica

sábado, fevereiro 01, 2025

O último documento

 



Naquela fila de espera, para retificar o meu nome que estava errado na certidão de óbito de minha mãe, olhei ao redor e o cartório me pareceu frio e sem alma. 

Ao segurar aquele documento sem querer, me deparei com o que já sabia: Nada aqui é meu, nem mesmo o meu último documento. Ali, experimentei a dura realidade deste mundo capitalista, onde até a dor se torna mercadoria.

Este pensamento fez com que um misto de sentimentos me vestisse por inteiro. Tive que respirar fundo para conter as lágrimas diante dessa vida tão cara, e, ao mesmo tempo, tão sem valor.

Transtornada por dentro, mas por fora aparentemente calma, fiquei a remoer por que o TER na maior parte do tempo, é o senhor da nossa agenda? Se nada levaremos, nem mesmo aqueles objetos que guardamos ao longo da vida com tanto carinho, por que nos preocupamos em gastar nosso tempo acumulando bens que ficarão para outros desfrutarem? Ou desfazerem sem nenhum sentimento? Qual é a agenda que vale a pena viver? 

Enquanto este questionamento, como um gigante sem piedade me arrastava para um caos interno, me lembrei da agenda de Jesus ‘quando deixou a Judeia e retirou-se outra vez para a Galileia, porque era-lhe necessário atravessar a província de Samaria’1 e encontrar uma mulher que não era bem-vista pela sua comunidade por ter ‘tido 5 maridos, e estar no seu sexto relacionamento sem se casar’2.   

Também me lembrei do encontro com seus discípulos, com a mulher adúltera, com o gadareno, com os muitos doentes que curou, com as multidões, com jovem rico, com Zaqueu, com a mulher que lhe tocou, com a mulher sírio-fenícia, com o centurião, com Lázaro, Marta e Maria, e tantos outros3. De fato, ‘Ele se fez carne para habitar entre nós’4. Ele veio para buscar e salvar o perdido5. Ele veio para encontrar pessoas como eu e você. Ele não gastou sua vida acumulando tesouros como costumamos fazer.

Uau! Que agenda complicada e ao mesmo tempo fantástica.

Sentada ali naquele lugar que teimava em congelar minha alma, fui aquecida e desafiada pela agenda de Jesus. Ela é capaz de dar sentido a tudo. Até mesmo ao meu último documento que não será meu, e sim dos meus.

Saí daquele cartório de cabeça erguida, não precisando conter o sorriso que brotou em mim.

Roseli de Araújo

Escritora e Psicóloga clínica

            

                Referência bíblica:

1.                                    1. Evangelho João 4:3,4;

2.                                    2. Evangelho João 4:18;

3.                                   3. Os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João;

4.                                    4. Evangelho de João 1:14;

5.                                    5. Lucas 19:10

 

segunda-feira, janeiro 06, 2025

 


2025.

Vasculho. E fico sem encontrar dentro de mim nenhuma pergunta para este início de ano. Parece estar claro o que deve ser feito.

Percebi que não preciso de novos planos. Antes, careço de rever com cuidado os velhos e avançar neles.

E a palavra que me desafia diante do que ainda não foi feito, é sempre a velha e boa disciplina. Não sei você, mas assusto-me com o quanto é fácil compreender sua importância, tanto quanto é difícil de fazer dela, o feijão com arroz, de todo o dia.

A verdade é que a impressão que tenho é que são muitos os leões para serem mortos em um só dia... E o passar dos anos tornou muitos deles ainda mais difíceis de serem vencidos. Entretanto, ao fitar a arena da vida, descubro que a primeira ação que desejo não é mais matar leões.

Sinto precisar mais, muito mais, de erguer os olhos.  Fitar os céus. Matar minha velha natureza e alinhar meu coração com a boa, perfeita e agradável vontade do Pai1.

Não estou aqui a defender uma vida sem alvos. Longe disso!

O que desejo é aprender com a morte, esta professora implacável, a passar a página de projetos fúteis e remir o tempo, de forma que a minha vida se revista do que é eterno.

2025.

Meu anseio é tarefa árdua. Contudo, sei que não estou sozinha.

 

Escritora e Psicóloga

Roseli de Araújo

 

Referência:

1.     Romanos 12:1