terça-feira, junho 28, 2016

Quando o vi


Ele chegou arrastando seu cansaço. Suas roupas maltrapilhas indicavam de onde não vinha. Sua casa a muito fora perdida. Ele não soube contar o exato momento, contudo se lembrava com saudade do tempo que suas paredes e tetos o aqueciam.
Em sua bagagem um cobertor puído, mas, andava encurvado com o peso de tudo que perdeu. Sentou-se a minha frente, e procurei ver os seus olhos, mas ele cabisbaixo se mantinha. O tempo passou rápido para mim. Considerei que para ele talvez fosse uma eternidade. Ao erguer finalmente os olhos, vi a tristeza que o seu coração carregava, e assustei. Não imaginava que alguém pudesse trazer no olhar tamanha ferida, e me perguntei, cicatrizaria algum dia?
Assim, tentando esconder-me na postura profissional, seguir fazendo as perguntas de sempre. Ele respondeu com voz fraca, quase inaudível, tentando ainda manter em seu peito a esperança que brigava para ir embora.
Naquele momento me vi em seu lugar, e o meu peito apertado ficou. Perguntei a mim mesma, ‘o que gostaria de ouvir de alguém que me atendesse se estivesse nessas condições’? 
Balancei a cabeça me chamando a atenção. Eu já havia aprendido que cada ser humano tem sua própria forma de lidar com suas dores. E fiquei travando uma luta invisível de tentar descobrir o que fazer para amenizar a dor daquele homem. Quando me dei conta que estava perdendo-o. Ele estava ali. Tudo que precisava era de ser visto por mim. Tudo que urgentemente necessitava era de ser ouvido após sua longa jornada cheia de monólogos sem platéia.
Ele falou por minutos. E na medida em que falava sua força retornava. Era como se o peso que o encurvou fosse lançado para fora daquela sala que nos abrigava.
O relógio me acenou que seu tempo havia terminado, contudo permaneci ouvindo-o. Sua necessidade era pungente de falar, falar e falar... Naquele momento era isso que ele precisava. Vi seus lábios acenarem um sorriso pálido enquanto chegava no final das suas palavras. Sorri largamente dentro de mim porque me parecia impossível no início daquela sessão ver qualquer esboço de alegria. Senti-me com o dever cumprido.

Ele me disse, ‘o que a senhora fez comigo? Aqui falei coisas que nunca disse a ninguém’. Continuei sorrindo. Fiz apenas o que devia ser feito. Abandonei a ideia de ser deus, para ver o humano que estava diante de mim.

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